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Nos últimos meses, a problemática da terra se moveu para o topo do debate público, político e intelectual em Moçambique. E não é para menos, a produtividade agrícola continua longe do seu real potencial e certos setores da sociedade apontam para a questão da terra como uma possível fonte de eventuais conflitos sociais econômicos. Nesse ambiente, os intelectuais têm a responsabilidade fulcral de aprofundar o debate público sobre essas matérias, não para, necessariamente, trazer soluções acabadas, mas para demonstrar as várias opções existentes em termos de políticas públicas. É neste sentido que este artigo aponta.

Moçambique tem das melhores condições agroecológicas da África Austral. Os seus solos são próprios para uma variedade de culturas agrícolas. O país é atravessado por vários rios, muitos deles de curso internacional, entretanto, a produtividade por hectare é das piores da região. Dos 36 milhões de hectares de terra arável que o país possui, apenas 12% são cultivados, ou seja, pouco menos de 4,5 milhões de hectares.

Nesse cenário, importa perguntar: Que constrangimentos existem para o uso eficiente e massivo da terra para a agricultura? Por que Moçambique continua dependente da importação de produtos agrícolas? Uma analise mais atenta ao setor, mostra que mais de 90% da terra é cultivada por pequenas explorações familiares, que têm na agricultura, caracterizada pelo uso de técnicas rudimentares, como a enxada de cabo curto, o seu principal meio de subsistência. O uso de fertilizantes, maquinaria e sementes melhorias é quase inexistente. Por outro lado, encontramos algumas explorações de média e grande escala, que se debatem com altos custos dos insumos, problemas no acesso ao crédito, excesso de burocracia na regulação estatal, etc. A dificuldade de acesso ao crédito bancário é apontado como sendo um dos principais entraves ao desenvolvimento da agricultura.

Em Moçambique, pela Constituição da República, a terra é de propriedade exclusiva do estado, podendo, os cidadãos usá-la adquirindo um título de Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) dado pelo governo. Melhor dizendo, o cidadão detentor do DUAT não pode alienar, vender ou mesmo dar como garantia para obtenção de um crédito bancário a terra. É nesse último ponto que reside o primeiro busílis do debate político e académico.

Num país onde não se pode identificar um grupo ideológico concreto da direita, sejam eles políticos ou intelectuais, existem alguns, aparentemente poucos, defendendo a passagem para o regime legal de propriedade privada da terra. Essa passagem seria feita através do direito costumeiro, como defendeu, recentemente, o proeminente economista moçambicano, Roberto Tibana, numa entrevista cedida ao Jornal O País, na sequência de um debate organizado pelo Movimento de Estudantes Liberais de Moçambique (MELIMO). Segundo esses intelectuais, só assim os camponeses poderão usar a terra como garantia na obtenção doo crédito bancário para o desenvolvimento de uma agricultura robusta e mecanizada.

Entretanto, uma outra ala de intelectuais e políticos, que reclama ser a maioria, defende a manutenção do atual regime de propriedade exclusiva da terra pelo estado, receando que a propriedade privada da terra poderá levar, por um lado, ao surgimento de grupos sociais “sem terra” e consequentes conflitos sociais e, por outro lado, a apropriação da terra por cidadãos e empresas estrangeiras. Aliás, argumentam ainda que a atual lei de terras, baseada no primado constitucional de pertença exclusiva do estado, ainda não foi explorada na integra, acrescentando que Moçambique tem dos melhores regimes legais da região da SADC e do continente africano no geral, por manter a terra como propriedade exclusiva do Estado. Alguns, chegam até a excluir do debate público, intelectual e político, a hipótese de propriedade privada da terra.

Todavia, para uma melhor sistematização do debate sobre a problemática da agricultura, e da terra em particular, julgo que importa levantar as seguintes questões:

1. Qual é o custo de oportunidade que o país paga pelo fato de ter a terra como propriedade exclusiva do Estado? E por outro lado, qual seria a o custo de oportunidade se Moçambique optasse pela propriedade privada da terra?

2. Indo mais a fundo: Quem realmente se beneficia do atual regime legal? A economia? Os cidadãos, consumidores? Os camponeses? Os agricultores, empreendedores e investidores? O Estado? O governo do dia? Outros? Por outro lado, quem seria o beneficiado num hipotético regime de propriedade privada da terra? O desenvolvimento econômico? A harmonia e bem estar sociais?

Independentemente da vontade dos políticos, essas questões devem ser debatidas de forma aberta e expressa pela sociedade em geral e pela academia em particular, que deve, sempre, problematizar e colocar todas as hipóteses na mesa do debate, sob o risco de esta passar a alimentar e legitimar tabus de que certos temas e abordagens não devem merecer reflexão, o que contrasta com a natureza metodológica, problematizante, das academias.

Finalmente, lembremos estas sintomáticas palavras do Eng. João Carrilho, num debate público organizado pelo recém-criado observatório do meio rural:

“Muitos dizem que ‘Moçambique tem a melhor a lei de terras da África Austral, só que ela não é aplicada’. Ora se não é aplicada é porque, provavelmente, ela não é ajustada a realidade...”

Por: Henriques Viola
Presidente da MELIMO
Fonte: Ordemlivre.org