— E as duas revoluções, a portuguesa e a moçambicana, estão numa fase de aproxima¬ção ou estarão afastadas?
— Estiveram sempre aproximadas. Nunca se afastaram. Os dois processos caminharam sempre juntos, nos mesmos carris. Sempre nos mesmos carris. Sempre para derrotar os mesmos inimigos. Portanto, não há distância nenhuma. Só há especificidades em cada um de nós, em cada uma destas revoluções. A revolução portuguesa tem as suas especifici¬dades, tem os seus aspectos particulares. Nós também temos os nossos. Aí, temos; que res¬peitar.
- E, no entanto, há aquilo que se pode definir como um contencioso entre os dois países...
- Não há contencioso nenhum!
-Não há?
- Que tipo de contencioso?
- Político, económico? Crê que, na ver¬dade, todos os problemas já estão sanados?
- Havia um contencioso, enquanto exis¬tia o colonialismo. Aí, havia um contencio¬so. Político, ideológico, cultural, social. Era tudo isso que formava um contencioso. Ago¬ra não. Não há contencioso. Agora, só fia um processo, de consolidação de laços de amizade. Encontrar o entendimento, encon¬trar a plataforma para a solução de todos os problemas. Há dificuldades, é verdade, mas não há contencioso. E essas dificuldades são normais. Rompemos, há pouco tempo, com o colonialismo. Portanto, não constituiria uma surpresa para nós todo o tipo de obstá¬culos. Acabámos de romper com um sistema odioso, com um sistema de opressão. Estou certo que em Portugal ninguém quererá esse sistema.
- Claro.
- Então, não há contencioso. Se houvesse ideia de neocolonizar, aí havia um conten¬cioso. Mas, neste momento, não há.
— E a tendência cada vez mais europeia de Portugal?...
— É porque são europeus. Não podem sair da sua esfera.
— Bem, no entanto, há uma relação con¬vosco, com a Angola e com a Guiné, muito intima.
— Oh! Sim. Exacto, e não é por causa da língua.
— Não é por causa da língua?
— Não é por causa da língua, não é por causa da cultura.
— Então fundamentalmente porque é que será?
— Que cultura espera que o colonialismo podia transmitir ao povo?
— O colonialismo não, mas Portugal, o povo português...
— Não! Não confunda! Nunca esteve aqui o povo português, estava aqui o colonialis¬mo. Por isso, não transmitiu cultura nenhu¬ma.
— Bem, mas a língua em si mesma, é uma cultura, é uma forma de cultura...
— E um veículo de transmissão. Eu falo francês e, no entanto, não tenho nenhuma cultura francesa. Eu falo inglês, mas não te¬nho nenhuma cultura inglesa. Eu falo portu¬guês, mas não tenho nenhuma cultura portu¬guesa.
— Então, para além desse veículo que é a língua portuguesa, não há qualquer outra forma de cultura aproveitável?
— Não, não há. Portanto, eu diria: agora, é que haverá possibilidade de o povo mo¬çambicano conhecer a cultura portuguesa.
- E vice-versa...
—Exacto! O povo português conhecerá também a cultura moçambicana. Aquilo que o colonialismo chamava "usos e costumes indígenas"... Como haveria cultura sem personalidade moçambicana? É possível? ... Agora estamos numa fase de criar a nossa personalidade. Portanto, é preciso valorizar a nossa cultura. O segredo da personalidade do homem é a cultura. Nós não tínhamos nenhuma personalidade. Nem portuguesa, nem moçambicana. Porque, se nós tivésse¬mos assumido essa tal personalidade, teria sido uma personalidade : do opressor. Não acha? …
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