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Pedro Albuquerque
Economista, Professor Associado da Euromed
Management
Fonte/Publicado no www.ordemLivre.org.

Há cerca de um ano Paul Krugman denunciou a profissão de economista como uma das grandes responsáveis pela crise económica global, num artigo escrito para o The New York Times intitulado “How Did Economists Get It So Wrong?” [“Como os economistas erraram tão feio?”]
O artigo foi amplamente criticado por vários economistas de peso, em particular por John Cochrane, que o definiu como calunioso, repleto de teorias conspiratórias, e obscurantista ao ponto de deificar as contribuições originais de Keynes. Krugman teria decidido, num ataque de absolutismo gnóstico, que o trabalho rigoroso de dezenas de milhares de economistas académicos, e os debates que se travaram entre eles durante cinco décadas, não passariam de diletantismo.
Cochrane é preciso na sua crítica. Mas, na sua ânsia de redimir a profissão de economista, e de atacar o apelo ao misticismo de Krugman, Cochrane ignora a possibilidade de que a profissão tenha se comportado, não de forma conspiratória, mas de forma parcial e interessada. Krugman provavelmente sofre de paranóia ao acreditar que a maioria dos economistas age em comunhão com a intenção de marginalizar cientistas dissidentes. A própria teoria económica, porém, nos ensina que economistas académicos, como os demais cientistas, possuem interesses velados, e estão expostos a incentivos que muitas vezes conflituam com o princípio da imparcialidade científica.
A grande falha dos economistas, ignorada por muitos, não foi, como sugerido por Krugman, a de criar má teoria económica ou participar de uma conspiração ideológica, mas a de ignorar boa teoria económica já existente. Economistas, em grande parte, continuam propondo, a despeito de ampla evidência contrária, que para cada falha de mercado haveria uma solução regulatória perfeitamente racional e facilmente implementável. A verdade, porém, é que (a) as falhas de governo são muito mais relevantes que falhas de mercado, (b) a irracionalidade política é um fenómeno muito mais intratável que a irracionalidade económica, e (c) a captura das agências governamentais por grupos de interesse é uma das consequências mais comuns da regulamentação governamental do domínio económico
Os economistas são, portanto, responsáveis por vender a ilusão de perfeição regulatória, quando já deveriam ter admitido publicamente que não há soluções simples para falhas de mercado, e que a regulamentação frequentemente piora os problemas que tenta resolver.
Tendo em vista que tais lições já foram bem estabelecidas no campo da economia da escolha pública, como é possível que sejam tão abertamente ignoradas por uma grande maioria dos economistas ao prescreverem políticas económicas activas? Seria este fato o resultado de uma conspiração, como insinuado por Krugman? Evidentemente que não. A explicação é na verdade muito mais simples: para a maior parte dos economistas que trabalham para o governo, o sector privado e a academia, revelar os limites da teoria económica seria um sinal de fraqueza e incapacidade. A pretensão de previsibilidade e de capacidade de formulação de políticas racionais e adequadas é o ganha-pão de uma maioria nesta profissão.
Os economistas se comportam como médicos que vendem curas inexistentes ou engenheiros que projectam pontes sabendo que não suportarão seu próprio peso. No caso dos economistas, a imparcialidade científica é certamente pouco rentável, e representa acima de tudo a castração de seus poderes políticos. Os custos económicos e políticos da honestidade intelectual entre cientistas são muitas vezes altos, mas, no caso de economistas, são elevadíssimos.
O que permite, porém, aos economistas manter esta robusta e longeva pretensão de conhecimento, particularmente quando comparados aos membros de outras profissões técnicas? A explicação é dada pela própria teoria económica: em parte pela teoria da ignorância racional, em parte pela teoria da irracionalidade racional, e em parte pelo fato de que as políticas económicas são um exemplo da tragédia dos comuns.
A ignorância racional explica, por exemplo, como tal pretensão de conhecimento seria impossível entre engenheiros que projectam automóveis: para a maior parte das pessoas, adquirir os conhecimentos e informações necessárias para avaliar a qualidade dos automóveis que os engenheiros projectam é actividade que produz benefícios individuais evidentes. Consequentemente, o mercado de automóveis é relativamente racional quando comparado a outros mercados, e o trabalho do engenheiro se dá neste quadro de maior racionalidade.
A irracionalidade racional se aplica aos economistas da mesma forma que se aplica aos médicos. É antigo e bem conhecido o papel do xamanismo na medicina, a venda de falsas esperanças, o apelo do desesperado, que não tem mais nada a perder, ou que prefere o sonho de uma cura milagrosa à confrontação da dura realidade de que inexistem curas para muitas doenças.
Finalmente, e acima de tudo, o trabalho de economista, mesmo no sector privado, está relacionado na maior parte dos casos a bens e serviços públicos ou quase-públicos. Um economista que escreve relatórios que serão lidos pelos demais funcionários de um banco privado, por exemplo, produz um serviço com características de bem público. No caso dos economistas responsáveis por políticas económicas, não há nenhuma dúvida de que o serviço prestado é um bem público. E, como é o caso de todo bem público, os serviços produzidos por economistas sofrem dos problemas da tragédia dos comuns e de outros problemas de escolha pública: exploração excessiva, captura de agências, uso privado de informação assimétrica, formação de cartéis, frentismo etc..
Em resumo, os economistas são culpados, mas não pelas razões ideológicas tipicamente citadas por activistas políticos. Os economistas são culpados por apresentarem frequentemente ao público uma versão da ciência económica que ignora algumas de suas mais importantes lições, e o fazem para maximizar seus benefícios e seus poderes como agentes económicos e políticos.