Caros leitores,
Permitam-me expressar os meus mais elevados e estimados cumprimentos pelo facto de vos estar a escrever esta breve reflexão jurídica em torno da inconstitucionalidade do artigo 26º da Lei 9/ 2001 de 7 Julho (Lei do Processo Administrativo Contencioso) em face do artigo 253 nº3 da CRM (Constituição da República de Moçambique).
Da análise do disposto no artigo 26º da LPAC, Lei 9/2001 de 7 de Julho, o legislador impõe a obrigatoriedade para que os administrados ou particulares recorram contenciosamente ao Tribunal Administrativo dos actos da Administração Publica que lesem os seus direitos, que tais actos administrativos sejam definitivos e executórios, daqui se pode inferir que só se pode recorrer para o Tribunal Administrativo, esta ratio, de actos administrativos definitivos e executórios, não cabendo, portanto, recurso de actos meramente lesivos dos direitos dos cidadãos que não sejam definitivos e executórios.
O que significa que, se um cidadão vê os seus direitos violados ou abusados pela Administração Pública, não pode, de imediato, recorrer ao Tribunal Administrativo para se ressarcir da violação do seu direito, devendo, prima face, recorrer ao órgão hierarquicamente superior da Administração Pública que tenha competência e poder para decidir sobre aquela matéria controvertida e, só depois deste recurso é que o administrado ou particular pode recorrer contenciosamente para o Tribunal Administrativo. É o chamado princípio do recurso hierárquico necessário.
Os recursos hierárquicos necessários coarctam o direito de impugnação do acto da administração pública pelo cidadão lesado, podendo por vezes, tornar inútil o seu recurso contencioso, pois, impedem que o cidadão recorre imediatamente para o Tribunal Administrativo.
Porém, o disposto no artigo 253 nº3 da C.R.M, apresenta uma solução diversa da prevista no artigo 26º da Lei n.º 9/2001, na medida em que, dispensa a executoriedade e definitoriedade do acto administrativo, para que dele se possa recorrer contenciosamente, pois, este artigo consagra a todo o cidadão o direito de recorrer de actos administrativos, desde que tais actos lesem ou prejudiquem os seus direitos, trata-se da teoria do acto meramente lesivo ou ofensivo dos direitos do cidadão.
Assim sendo, e segundo a célebre e nobre teoria de Hans Kelsen, as normas jurídicas estão hierarquicamente organizadas e como tal as normas do topo da pirâmide devem ser observadas e respeitadas pelas normas da base da pirâmide, pelo que, sendo a Constituição da República, a lei mãe ou mater lege, todas as demais leis e normas jurídicas devem respeitar e observar os princípios estipulados na CRM, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade.
Fácil é, por esta via, compreender que as leis ordinárias quando divergentes com a Constituição da República, devem ser consideradas inconstitucionais e como tal, em nome da ordem e segurança jurídicas dos direitos dos cidadãos e estabilidade do ordenamento jurídico, devem tais actos ser apreciados e declarados inconstitucionais pelo órgão competente (Conselho Constitucional).
Porque a Constituição da República, revista em 2004, é recente em relação a Lei 9/2001 de 7 de Julho, acrescendo-se ainda o facto da Constituição ser hierarquicamente superior a esta Lei, deve o artigo 26º da citada lei, ser apreciado e declarado inconstitucional.
A CRM coloca um condicionalismo para que os cidadãos possam requerer o pedido de inconstitucionalidade, ao estipular no seu artigo 245 alínea g) que o cidadão comum só poderá solicitar a inconstitucionalidade das leis e a ilegalidade dos demais actos normativos dos órgãos do Estado, se constituírem-se em número de pelo menos 2.000 cidadãos. Isto significa que um cidadão de per si não pode solicitar a declaração de inconstitucionalidade.
Numa altura em que o Governo procura desburocratizar a Administração Pública para permitir que todo o cidadão possa ter acesso aos serviços da mesma Administração, com maior eficácia, fluidez, celeridade e dinamismo da mesma, eis que temos um obstáculo que há muito estava eclipsado.
Urge que se solicite a declaração de inconstitucionalidade do artigo 26 da Lei 9/2001, pelos órgãos com poder para o acto.
Assim, o numero 2 do artigo 245 da CRM arrola os órgãos do Estado com competência para solicitar a declaração de inconstitucionalidade das normas, nomeadamente, o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República, 1/3, pelo menos, dos deputados da Assembleia da Republica, o Primeiro-Ministro, o Procurador-Geral da República, o Provedor de Justiça.
Os administrados ou particulares não mais podem ficar reféns de um dispositivo legal que mina o processo da desburocratização da Administração Pública.
ABÍLIO SITOE
Jurista/ Jurist
MAPUTO, 9 DE AGOSTO DE 2010
[21:50
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