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REFERENDO NO SUDÃO: PODE-SE COLHER MAÇÃS A PARTIR DE UMA ÁRVORE DE ESPINHOS?


Por/By: Constâncio NgujaCEMO-Centro de Estudos Internacionais e Moçambique

Introdução
A procura da paz é inerente à condição humana. Qualquer abordagem histórica demonstra que o homem sempre almejou a paz. Para os judeus, a paz significava alcançar a “terra prometida”. Para os Africanos, durante muitos anos, a paz significou a libertação do colonialismo Europeu. Entrementes, mesmo após a consecussão desses objectivos, esses povos não se mostram terem alcançado a paz. Por efeito, existem outros desafios, como o combate para a libertação económica, a guerra de civilizações, etc. Tal facto leva parece que o homem está em constante busca de uma paz que nunca alcança!
Mas o que será realmente a paz?
Para entender o conceito de paz, é necessário definir o seu conceito oposto, que é o conflito. Conflito seria oposição ou divergência de ideias. Segundo Johan Galtung (2007), o conflito não pode ser entendido negativamente. O desenvolvimento dos indivíduos, Estados e civilizações dependeram da divergência de ideias entre os protagonistas.
Ainda segundo Galtung (idem), a paz seria uma relação entre duas ou mais partes. Ela não é propriedade de uma parte, mas de uma relação entre partes.
Que tipo de relações podem as partes desenvolver?
Galtung apresenta 3 tipos de relações, a saber:
Negativas e desarmoniosas, em que o que é bom para uma parte é mau para a outra.
Indiferente, em que ninguém vela pela outra parte.
Positiva e harmoniosa, em que o que é bom e mau para uma parte é também bom e mau para a outra.
O último tipo de relação é a mais desejável, numa perspectiva idealista, mas a história e experiência reza que os homens/estados pautam pelo primeiro tipo de relações. Os homens/Estados definem suas relações numa perspectiva de ganhos e perdas. Por isso que a paz continua sendo algo difícil de se alcançar.
O presente artigo pretende trazer à análise as implicações que o referendo visando a separação entre o Norte e o Sul do Sudão pode trazer para a paz na região.

Antecedentes
O Sul do Sudão será sujeito a um referendo visando a sua separação ou não do Norte, a 9 de Janeiro de 2011. Tal referendo resulta do Acordo Compreensivo de Paz (ACP) entre o governo de Cartum e o Movimento Para a Libertação do Sudão (SPLM), em 2005, na cidade de Naivasha, no Quénia. Tal acordo visava pôr termo a 22 anos de Guerra Civil entre o Norte muçulmano e o Sul cristão animista.
Para além do fim da referida Guerra Civil, o ACP visava também o desenvolvimento de uma governação democrática em todo o território sudanês, a partilha de recursos petrolíferos, bem como a marcação da data para a realização do referendo no Sul.
O ACP foi encorajado e patrocinado pela Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), e parceiros internacionais.

Problemas com o referendo
1. John Garang, o signatário do ACP pelo SPLM, veio a falecer meses depois, num acidente polémico de aviação. Isso significa que o cenário político viria alterar desde então.
2. Tanto as autoridades do Norte como as do Sul têm sido acusadas de ameaçarem aos jornaliastas e canais de comunicação, dificultando a transparência na cobertura jornalística do evento.
3. O governo de Cartum (Norte) tem tentado “denunciar’ à comunidade internacional que o SPLM não cumpre na efectividade com o ACP. Esse facto denota a desconfiança entre as partes do processo.
4. As organizações e grupos de direitos humanos têm dado a entender que não há condições criadas para a efectivação do referendo.
5. O Sul insiste que tal referendo deve ser efectivado a todo custo.
6. Novos assuntos delicados surgiram, com destaque ao conflito de Darfur (que é parte, tanto do Sul como do Norte), e a região de Abyei (que também limita as duas regiões em análise).
7. Não há consenso entre os movimentos do Sul sobre o referendo e a futura partilha de poder.
8. Não há consenso entre os signatários do ACP quanto as fronteiras, a partilha da dívida externa, as águas do rio Nilo e os recursos petrolíferos.
9. O futuro Estado do Sul do Sudão não teria acesso ao mar e o Norte não se disporia em ceder rotas.
10. A comunidade internacional (incluindo a ONU) não estão muito presentes no terreno.

Conclusão
Se levarmos em conta todos os assuntos ora mencionados, que tipo de paz quereríamos para o Sudão? Seria o referendo naqueles moldes, sustentável?
Quando se trata de tentativas de resolução de conflitos todos os detalhes devem ser tidos em conta, as partes devem ser acomodadas e deve-se antes analisar a viabilidade e sustentabilidade da mesma resolução. Para o caso deste conflito, a se realizar o referendo, estar-se-ia a dar azo para a emergência de outros conflitos a saber:
• Um entre o Sul e o Norte pela falta de consenso sobre as fronteiras, partilha de recursos e dívida, e até a questão de acesso ao mar pelo sul;
• Outro entre os movimentos do Sul entre si, pela falta de consenso sobre o referendo como um todo, para além do futuro político na suposta República do Sul.
• Finalmente, os pendentes de Darfur e Abyei que fazem parte, tanto do Sul e do Norte.
O conflito em questão é mais um desafio a se ter em conta tanto pela União Africana, bem como pela Liga Árabe, o IGAD, a Organização da Conferência Islâmica (OCI) e as próprias Nações Unidas. É caso de se questionar: “Can apples be reaped from a thorn tree (podem maçãs ser colhidas a partir de uma árvore espinhosa)?”